quinta-feira, 14 de junho de 2012
Alface Hall
Há várias coisas através das quais se pode caracterizar um sítio/experiência, e que costumo ter sempre em conta, mesmo que não as escreva necessariamente num papel e lhes dê notas de 1 a 10, acho que é um processo emocional, "qualificações sentidas".
Essas coisas são:
- O espaço físico interior (portanto a arquitectura/design);
- O local geográfico onde está situado;
- As pessoas que fazem parte desse espaço;
- A comida (e os preços dessa comida, embora menos relevante);
- A companhia que levamos connosco;
- Os extras (música, paisagem, objectos interactivos, eventos, etc).
Quando um local consegue satisfazer todos esses requisitos com sucesso sabemos que estamos num sítio perfeito porque o sentimos na pele. E foi isso que senti aqui, das duas vezes que cá estive.
A primeira vez que cá vim parar foi completamente por acaso, tinha começado uma saída para o bairro um pouco mais cedo do que o habitual e, nos nossos deambulanços à procura de um sítio para sentar e conversar, passámos por uma larga porta musical: jazz! Quando há música à pala nunca se deve hesitar. Arrastei imediatamente toda a gente que estava comigo lá para dentro, pedimos uma espécie de granizado de limão com vodka que estavam a servir (deixaram-nos provar primeiro) e sentámo-nos numa pequena mesa redonda.
Da segunda vez voltei com a suspeita do costume para uma sessão de trabalho. Arranjámos um sofá escondido junto a uma tomada, num cantinho ao pé do "palco", e montámos o estaminé. Há Wifi gratuita (e Fon Zon incluida).
Como não estava ninguém ainda ficámos à conversa com o rapaz que nos estava a atender, fiquei a saber que estão a ser tomadas medidas para evitar o botellón e que as mercearias deixam de poder vender álcool depois das oito da noite. Não sei se se pode classificar esta informação em algum tipo de conhecimento (conhecimento de vida de bairro?), mas adoro saber estes pequenos factos, ou tentar perceber a maneira de pensar de cada pessoa que gere cada espaço, tal como falei com o Marco do Grémio do Carmo ou com a rapariga do Bake the Difference. Personalidades que de algum modo se relacionam com o local.
É incrível o número de pormenores do Alface e as maneiras como reaproveitam certos objectos, as t-shirts que estão para venda, por exemplo, em vez de serem exibidas de forma enfadonha servem também de decoração, estando penduradas numa corda de secar por cima das nossas cabeças, preenchendo assim o espaço vazio gerado pelos altos tectos.
Por cima da porta de entrada há uma mota estacionada comodamente no parapeito interior da janela. E depois temos bombas de gasolina antigas, telefones, garrafas, rádios, câmaras, bonecada, cadeiras de barbeiro (o meu detalhe favorito sem dúvida) e mais.
Entre mesinhas e sofás, podemos escolher aquilo que mais se adequa ao que viemos fazer: se foi ficar num transe vegetativo a ouvir uma deliciosa jazzada, se foi trabalhar, comer tostas, dizer parvoíces, ou tudo ao mesmo tempo (o nosso caso).
Acaba por ser também um espaço mais multicultural por estar ligado ao Alface Hostel, ouve-se falar português mas não só, bastantes estrangeiros passam por ali a relatar as suas aventuras. É interessante como a palavra "hostel" parece aumentar o à vontade que temos para interagir com outras pessoas (as que gerem o espaço e as que o frequentam), acabamos por sentir menos pressão porque achamos que é mais habitual nestes sítios isso acontecer. Contudo, ninguém diz que num café não podemos simplesmente pôr conversa com a pessoa do lado, mas pode acontecer não sermos muito bem recebidos.
Pedimos uma mistura da tosta de brie e presunto com a tosta mista (ficou assim uma tosta mista mas com queijo brie) que custou 4.5€, e tenho de dizer que estava de chorar por mais e que a minha foto está a milhas do sabor. Antes tinha pedido uma limonada (e lá se foi o preço, tenho-me esquecido de apontar). Mal sabia eu que esta seria a minha última refeição de jeito antes de ter a maior afta da minha vida e ter de passar cinco dias a sopas e iogurtes.
Pelas nove horas começou a música (todos os dias pelas nove/dez horas há jazz mas é possível que seja encurtado para três ou quatro dias por semana). Foi mágico, se calhar estou a exagerar, se calhar era exactamente aquilo que precisava, não sei, foi melhor do que algumas sessões de OutJazz a que tenho ido.
Antes de irmos embora tinha começado a desenhar um gato em cima de uma alface, decidi que devia oferecer-lhes essa "pequena parte de mim". Ao fazer isso apercebi-me que esta podia ser uma boa maneira de divulgar o Tarzan Urbano sem me tornar numa daquelas pessoas chatas que está sempre a mandar convites por facebook. E assim comecei a desenhar "Cheetas", gatos relacionados com os sítios onde ia, e a deixá-los lá. Ganhei também um bom pretexto para desenhar, espero que isto dê algum tipo de resultado favorável e que seja a minha maneira de "mudar o Mundo um bocadinho".
Aberto das 16h à meia-noite.
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