quinta-feira, 26 de abril de 2012
Ler Devagar
Tenho ganho um carinho muito grande pela Ler Devagar. Esta junção de livraria/biblioteca com café/bar/restaurante (os três mesmo!) prova que há certas barreiras que não precisam de existir, que a proibição só torna o quebrar das regras mais apetecível e que certos requisitos só contribuem para o mau-estar e desagrado. Refiro-me a este preconceito de que comida não joga bem com livros, e porque não? Aqui podemos beber um café enquanto pousamos o prato e a chávena delicadamente por cima de um Dostoevsky, de um Calvino ou de um Boris Vian. Problema? Nenhum! A responsabilidade parte de cada um de nós, somos adultos, sabemos que não devemos deitar café sobre literatura alheia, e se por acaso acontecer, porque os acidentes são inevitáveis, sabemos o preço a pagar, escrito a lápis na primeiro folha a seguir à capa.
E neste ambiente descontraído aproveitamos para trabalhar e encontrar alguma referência preciosa no meio dos livros poeirentos. A livraria tem obras recentes, mas tem muito mais pérolas antigas, edições passadas, um mundo dividido por várias prateleiras, umas tão altas que é impossível lá chegar sozinho e necessitamos, se tivermos coragem o suficiente, de requisitar a afamada escadinha que só os mais ousados se atrevem a pedir, isto porque o temperamento de alguns dos donos não é o melhor, mas depende da altura, às vezes mostram-se super prestáveis, outras vezes olham-nos como se fosse uma maçada estarem a servir-nos um café, por sinal bem caro, e quase que parece que seria preferível que nos reduzíssemos a pessoas pouco incomodativas que se limitassem a folhear livros. Isto tem um lado bom, nunca nos impingem nada, de vez em quando podem perguntar por delicadeza se queremos algo mas à partida é cada um por si, o que me agrada.
O preço é uma coisa bastante difícil de engolir, acho que é dos locais mais caros a que já fui em termos de custo de café, mas o espaço é tão precioso que continuo a lá voltar, não resisto, é um íman, já temos o nosso spot especial junto à janela e aos queijos e lá se vão mais 3€ por um galão ou 3.50 por uma sandes minúscula (já não me lembro exactamente se eram estes os preços mas ainda hei-de confirmar). Ingrato foi eu ter comido e ter-me esquecido completamente de tirar fotos, sobrando ainda um prato com gordura e outro com metade de tosta com manteiga que a Margarida pediu e que, felizmente, comeu devagar.
Para além de tudo aquilo que esta antiga fábrica já é, ela tem também a particularidade de ser um espaço cultural, e mais, foi considerada uma das bibliotecas mais bonitas do Mundo. A Ler Devagar faz o reaproveitamente de uma antiga fábrica de impressão, estando o terceiro pseudo andar recheado de monstros mecânicos e de mais umas "obras" artísticas insólitas, gadgets que se movem através de manivelas e de sistemas complicados mas eficientes. A única vez que presenciei de facto algo a acontecer foi quando estive lá como caloira, a observar um artista maluco que me mostrava as suas invenções a funcionar, olhei com um fascínio tremendo enquanto me questionava para que servia aquilo tudo: não servia, hobbies suponho.
Há vários espaços dentro deste espaço. Uma vez em que cá pus os pés com o Tiago e com a Margarida andámos a vasculhar tudo como nunca tínhamos feito e encontrámos uma nova sala misteriosa, uma espécie de casa de árvore de madeira, adornada de um enorme bigode (sim! Bigode!) na sua parede exterior, prateleiras recheadas com livros no interior e, para nos estiraçarmos, tinha daquelas almofadas que se vêem nas cadeiras das piscinas. Quando nos sentámos reparámos no derradeiro pormenor crucial: uma corda que pendia de um buraco no tecto e que ao ser puxada fazia com que uma mão arremetesse contra um tambor ou prato que emitia um pequeno som abafado.
Por baixo das escadarias principais, se repararmos com atenção, também se esconde outra pequena pérola: um espaço reservado às crianças, que parece não ser muito usado devido aos rolos de papel higiénico lá armazenados mas que mesmo assim não deixa de dar um bom abrigo.
Outro dos micro espaços é uma sala dedicada a exposições, pequenos concertos e conferências. Esta sala está munida de um televisor, algumas cadeiras ostentosas, um pequeno palco e um piano preto. Seguindo a mesma política de confiança que têm nos visitantes, qualquer pessoa pode aproveitar para pôr os dedos a dançar no teclado. Da última vez que cá pus os pés vim ter com a Margarida e com o namorado no final de um pequeno festival de música que houve na Lx Factory. Agora que as actividades tinham cessado, o Tomás ficou a dar um pequeno show privado para os amigos. De vez em quando passava uma ou outra pessoa curiosa, perguntava-me se iriam ficar, contudo, por não terem os laços afectivos que nos uniam uns aos outros e que nos compeliam a ficar, tornando aquele evento em algo mais do que simples música mas num serão de amigos, as pessoas iam embora.
Noto que o espaço tem agora internet mas por aquilo que testámos não era das mais rápidas, no entanto pode ser que melhore. Têm também a alternativa da Fon Zon para quem tem mas também acaba por dar problemas, apesar desta segunda opção ser talvez melhor. Ah, e são de louvar estes horários:
Terça a quinta das 12h às 24h
Sexta e sábado das 12h às 02h
Domingo das 11h às 22h
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